Está alguém aí?...
07 Maio 2010 09:57
É incompreensível que o Governo adjudique amanhã o troço do TGV. Que queira branquear todos os ecrãs iluminados de vermelho. Que esteja cismado neste impossivelmente sós. Sócrates fugiu para a ilha deserta do seu pensamento, onde recusa ver as garrafas cheias de mensagens que chegam nas marés vivas.
O que será preciso acontecer para que o Governo desça dos telhados de Roma onde toca a lira de Nero? Acreditará mesmo que isto passa com o tempo? Não percebe que isto pode piorar? A crise financeira não é uma alucinação colectiva em que o Governo português é o último lúcido do planeta. "Na terra dos cegos, quem tem um olho é rei, diz o adágio: na terra dos doidos, quem tem juízo é doido", concluía Mário de Sá Carneiro.
As bolsas estão a derreter. A dívida cobrada a Portugal já ultrapassa os 6,1%, o "spread" que os credores nos cobram já é 320 pontos mais caro que o pedido aos alemães. Trichet pede que nos apressemos, Constâncio diz que o tempo se tornou demasiado luxuoso. E nós, perante esta hecatombe que massacra os endividados, adjudicamos amanhã o TGV.
É pena que se tenha tornado desrespeitoso chamar autista a quem patologicamente não o é. É pena porque é o melhor termo que explica esta negação de José Sócrates. Começando por esta provocação que é fechar esta semana, precisamente esta semana, precisamente amanhã, a adjudicação do TGV. Será que José Sócrates quer que lhe apressem a queda do Governo, para poupá-lo do ónus das medidas que aí vêm?
Sobre o TGV: esta primeira adjudicação (de Caia a Poceirão) é menos cara e tem menos risco que a segunda (dali até Lisboa). Quase todo o financiamento é comunitário e do Banco Europeu de Investimentos. Mas o "timing" é desastroso. E como ninguém faz meia linha de TGV (esperemos...), a adjudicação de amanhã compromete a seguinte. Quem esperou tantos anos pode esperar mais alguns meses para ver se os mercados sossegam...
Talvez o primeiro-ministro pense que os economistas ensandeceram. Incluindo o seu ministro das Finanças, encurralado na solidariedade que lhe fecha ou os olhos ou a boca. Incluindo o governador do Banco de Portugal, que sobre as queixinhas de que a culpa é dos outros - especuladores, agências de "rating", gregos, alemães, dos economistas, gestores, jornalistas, ex-ministros das Finanças... - disse: é irrelevante culpá-los, é-o tanto como um capitão de um navio numa tempestade queixar-se do mar revolto.
Neste Titanic, o capitão abandonou a proa e foi ele mesmo para a orquestra que continua a tocar. Mesmo que tudo corra bem e que o mar acalme - que os mercados subitamente acreditem que a Zona Euro está invulnerável -, o rombo nas contas de Portugal não desaparece.
O cenário radical, e ainda improvável, é o de que precisemos de ajuda externa dos credores, por exemplo num reescalonamento da nossa dívida. O melhor cenário implica, de qualquer forma, uma contracção do crédito, menos investimento, logo, menos emprego e crescimento, recessão. Em qualquer dos cenários, é preciso agir.
O PEC era bom, mas perdeu-se tempo e já não chega. Se a Grécia tivesse agido em Fevereiro, precisaria de 40 mil milhões, agora 110 mil milhões não bastam. Dizer isto não é fazer oposição, nem sequer política. "É a economia, estúpido."
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