18/04/10

A história da minha vida...

Todos nós já passamos pela situação de atender doentes que dizem tudo o que têm menos aquilo que os preocupa no momento ou que, antes de dizerem o que têm, contam quase a história toda da vida deles. Agora imaginem numa triagem, onde temos que ser o mais rápidos possível, quando apanhamos alguém assim...
Chega um bombeiro com uma senhora sentada numa cadeira de rodas e diz-me que vai ali deixar a senhora, que vivia só e não tinha ali acompanhantes, para ir responder a uma outra chamada.
Quando chamo a senhora e lhe pergunto o que a trouxe ali, começou a história do «Há dez anos atrás, eu fui operada...»
Tentei abreviar a situação e perguntei por factos recentes. Começou então «Há sete anos tive um problema...»
Voltei a tentar abreviar a coisa, mas o que ouvi foi que «há quatro anos atrás, houve um médico no hospital de...»
Comecei a desesperar, pois sempre que eu tentava saber por que razão tinha vindo alí ela começava mais um episódio da vida dela relacionado com a saúde... Decidi então deixar a senhora falar e contar uma ou duas histórias até ao fim, talvez assim conseguisse achar o fio da meada. «O ano passado estive quase a morrer com muita falta de ar...». Difícil, muito difícil...
Ao fim de algum tempo, mesmo muito tempo, lá consegui chamar-lhe a atenção para a situação recente, mas entretanto fiquei a saber quase tanto da vida dela como o padre da freguesia, sem exagerar...
Perguntei-lhe porque razão tinha ido naquele dia ali. Para meu espanto, respondeu-me à pergunta que lhe fiz, mas a resposta deixou-me ainda mais admirado: «Não sei, foram-me lá buscar e trouxeram-me para aqui...»
Estranho! O bombeiro disse-me que ela vivia sózinha, não tinha ali acompanhantes...
«Mas..» - continuei - «A senhora não chamou a ambulância?»
«Eu não! Apareceram lá em casa e eu pensei que era para ir tratar da renovação da minha pensão...»
Confesso que fiquei baralhado. Nem sei já como resolvi a classificação da triagem, pois nem queixas existiam...
Entretanto, e já tinha perdido uns bons dez minutos com esta triagem, aparece-me o bombeiro, já com uma outra senhora deitada numa maca. Comecei a rir quando a senhora olha para a outra doente e diz «Oh vizinha, então piorou da sua dor de rins, foi?»
Barracada, tinham-me trazido a doente errada da primeira vez e, após insistência da doente certa, foram lá buscá-la...
Podiam era ter-me trazido uma que não me enrolasse tanto tempo até eu descobrir que foi por engano que a trouxeram ali...

Esta vida de enfermeiro...

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