16/01/11

Caso de morte após ensaio clínico

Pela primeira vez em Portugal, um caso de morte de uma doente envolvida num ensaio clínico chega à barra do tribunal, avança o jornal Público. Mas no banco dos réus vai sentar-se apenas o médico do Hospital de São João, no Porto, que conduziu a investigação. O reumatologista, que começa a ser julgado na próxima quinta-feira, é acusado de homicídio por negligência grosseira por ter prosseguido com o tratamento para a artrite reumatóide, mesmo depois de a doente exibir sintomas de que algo de errado se passava, explica o jornal.

O processo arrasta-se há anos. Felícia Moreira morreu em Fevereiro de 2004 com uma infecção generalizada, após três intervenções cirúrgicas e um período de internamento prolongado nos Cuidados Intensivos do Hospital de São João. Tinha 59 anos. O filho, Fernando Moreira, atribuiu, desde o início, a sua morte ao ensaio clínico com adalimumab (Humira®, de nome comercial), um medicamento biológico, que à data era inovador, mas que hoje representa quase um quinto da facturação global do laboratório fabricante, a Abbott.

Fernando Moreira, administrador de empresas em Guimarães, iniciou de imediato uma luta renhida para tentar provar que a mãe morrera devido aos efeitos adversos do anti-inflamatório e por considerar que ela não foi devidamente informada dos riscos que corria. "O que me revoltou foi perceber que as pessoas eram tratadas sem consideração, que as famílias não eram informadas e que os laboratórios podiam pagar [por casos deste tipo] o que gastam num congresso", justifica, em declarações ao Público.

Ao longo dos anos, foi somando vitórias e derrotas. Apresentou uma queixa contra o laboratório e a equipa médica envolvida no ensaio e até chegou a interpor uma providência cautelar para que o fármaco fosse retirado do mercado. Resultados? Conseguiu que o folheto informativo do medicamento fosse "alterado" e passasse a incluir o risco de morte devida a sépsis (infecção generalizada), na Europa, à semelhança do que já acontecia nos EUA; conseguiu que o médico que conduziu o ensaio fosse acusado e mais tarde pronunciado por homicídio por negligência grosseira. Mas os dois responsáveis da Abbott, que chegaram a ser ouvidos como arguidos numa fase inicial, não foram acusados. E Fernando Moreira acabou por ser o primeiro a sentar-se no banco dos réus: condenado por difamação, pagou uma indemnização de quatro mil euros ao médico por ter afirmado, numa página que criou na Internet em 2004, que os ensaios clínicos eram então "um mundo de amadorismo" em Portugal e por ter gravado uma conversa com o clínico, sem este saber. "Descobrir a verdade, era o mais importante", diz.

O caso foi seguindo os trâmites normais. Em Maio de 2005, a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde chegou a propor a instauração de um processo disciplinar ao reumatologista, por considerar que o ensaio devia ter sido suspenso quando surgiram os primeiros problemas, logo em Outubro de 2004 (a proposta aguarda uma decisão judicial). Dois anos e meio depois, em Novembro de 2007, o Ministério Público acusou o médico de ter agido "com negligência grave e grosseira, revelando grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais, que determinou, como consequência necessária e directa, a morte de Felícia Moreira".

Inconformado, o reumatologista pediu a abertura de instrução para contestar a acusação – alegou que, na última toma do medicamento, o ensaio já estava terminado e que a doente decidira automedicar-se. Mas o juiz do Tribunal de Instrução do Porto confirmou a tese da acusação e mandou o caso seguir para julgamento. Admitindo que no início da utilização dos medicamentos biológicos se registaram algumas infecções fatais – que não podem, porém, ser associadas sem margem para dúvida a estes fármacos –, o presidente da Sociedade Portuguesa de Reumatologia (SPR), Augusto Faustino, defende que este caso foi "uma infelicidade em se conjugaram vários factores". E nota que os medicamentos da classe do Humira® são usados, em Portugal, com critérios apertados. Há quatro anos, foi mesmo criado um registo nacional de doentes reumáticos que fazem este tipo de tratamento e até à data não há notificações de mortes, sublinha.

O benefício dos medicamentos biológicos, que actualmente são usados por milhares de doentes, em várias patologias, é superior ao risco, garante o reumatologista José Vaz Patto. Aqui!

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