13/04/11

As contas da Refer

Refer só pagou cinco por cento de empréstimos de 4 mil milhões

A Refer contraiu mais de quatro mil milhões de euros em empréstimos desde o início da década de 90 e, até ao final de 2009, só tinha reembolsado cinco por cento desse valor aos credores financeiros.

Ontem, face aos problemas de tesouraria, teve de recorrer a um crédito do Tesouro para pagar uma dívida de 300 milhões de euros. As Finanças estão a negociar soluções com outras transportadoras em dificuldades e aprovaram nova emissão de dívida na Metro de Lisboa.

O empréstimo que a Refer pagou ontem foi contraído em 2001 junto do banco ABN Amro. Faz parte de um bolo total de 4,1 mil milhões de euros de créditos assumidos pela empresa pública desde 1992. Este montante engloba financiamentos do Banco Europeu de Investimento (BEI), emissões obrigacionistas e empréstimos bancários schuldshein (produtos bilaterais, que permitem a transferência do crédito para outra entidade, sem autorização do vendedor), refere o relatório e contas de 2009.

Desde o início da década de 90, a companhia amortizou apenas 211,5 milhões de euros, o que significa que tem ainda 95 por cento das dívidas financeiras por pagar. As próximas amortizações têm data marcada para Setembro deste ano, altura em que terá de liquidar um empréstimo de quatro milhões e pagar a prestação anual de outro de 26 milhões ao BEI.

Em 2012, haverá novamente um reembolso de valor considerável, uma vez que, em Outubro, vence de uma só vez um crédito de 200 milhões de euros, contraído junto do banco alemão WestLB. Este tipo de amortizações, tecnicamente designadas por bullet e que obrigam o credor a pagar a totalidade da dívida, passaram a caracterizar o plano de financiamentos da Refer, a partir do ano 2000. A empresa tem, neste momento, sete créditos deste tipo, sendo que dois são de 500 milhões de euros e um de 600 milhões. O primeiro destes três vence em 2019.

Governo mantém silêncio

Face às fragilidades de tesouraria da empresa, responsável pelo sistema ferroviário nacional, o Estado foi chamado a intervir na amortização de ontem. Tal como o PÚBLICO tinha noticiado, a Refer teve de contrair um empréstimo do Tesouro, no montante de 260 milhões de euros, utilizando perto de 40 milhões do seu fundo de maneio para pagar ao ABN Amro. Um crédito que salvou a companhia de uma nova revisão em baixa do rating. Ontem, a Standard & Poor"s manteve a notação da Refer em B+, precisamente porque esta conseguiu o apoio estatal.

Questionada sobre este assunto, a companhia respondeu apenas que "procedeu ao reembolso do empréstimo de 300 milhões de euros que hoje [ontem] vencia". Também o Ministério das Finanças continua sem explicar oficialmente os moldes deste empréstimo. "O Governo, no exercício da função accionista, reafirma que os compromissos das empresas serão integral e pontualmente cumpridos", afirmou, acrescentando que "nada mais tem a comentar". O PÚBLICO também pediu esclarecimentos ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. "A questão financeira deve ser colocada às Finanças", disse fonte oficial.

Só por si, os 260 milhões de euros que o Tesouro emprestou agora à Refer ultrapassam em quase 80 milhões as dívidas acumuladas pelas empresas públicas ao Estado, no final de 2010 (177,5 milhões de euros). No ano passado, os empréstimos concedidos pelo Tesouro às entidades do Sector Empresarial do Estado totalizaram quase 74,8 milhões de euros. Por outro lado, pelo menos desde 2007 que as empresas de transportes e de infra-estruturas não recebiam qualquer empréstimo estatal, com excepção da Estradas de Portugal, que, em 2009, recebeu 130 milhões.

O esforço financeiro público, excluindo as dotações à Caixa Geral de Depósitos e as garantias, ascendeu a 988,2 milhões de euros em 2010. E foi, em grande parte, canalizado para as indemnizações compensatórias e dotações de capital. No caso da Refer, os montantes que a empresa recebeu do Tesouro desde 2007 resumiram-se sempre às indemnizações que o Estado atribui como compensação por serviço público.

O caso da Refer não é isolado. Há outras transportadoras públicas em dificuldades financeiras, como é o caso do Metro de Lisboa, que terá de liquidar um empréstimo em Julho. Para já, para se financiar, a empresa vai realizar uma nova emissão de obrigações no máximo de 35 milhões de euros, que se junta aos 85 milhões que tinham sido já emitidos a 23 de Dezembro passado. Estas duas emissões recebem garantia pessoal do Estado.

Resolução de problemas

No entanto, o recurso da empresa aos mercados pode não ser suficiente: "Com a data de Julho a aproximar-se, quando [a empresa] tem de liquidar empréstimos, vemos uma possibilidade crescente do Metro vir a necessitar de apoio extraordinário da parte do Governo este ano", afirmava no final de Março a agência de notação de risco Standard & Poor"s.

A Metro do Porto, por exemplo, tem uma dívida de 100 milhões de euros que vence já na próxima semana (a 18 de Abril) e, à semelhança da Refer, está a negociar com a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças "uma operação financeira" para assegurar a liquidez de que necessita, referiu em comunicado, na semana passada. No entanto, o PÚBLICO sabe que a empresa ainda não recebeu orientações concretas do Governo.

A Carris, que assumiu que precisa de 110 milhões de euros, respondeu que "as necessidades de financiamento (...) estão a ser objecto de negociação com o accionista" e, questionada sobre o ponto de situação, referiu que "não é oportuno fazer comentários relativamente a este assunto". Já o grupo Transtejo, que admitiu recentemente que só tem dinheiro para pagar salários até Junho, tem estado a negociar um novo empréstimo de 60 milhões junto da banca. E a CP tem referido que não tem problemas de liquidez, tendo amortizado, recentemente, um empréstimo de 120 milhões de euros.

Publico

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