17/08/09

Como mentem as empresas portuguesas

Lucros a mais, contratações a menos, notícias por esclarecer.

De clubes de futebol, às mais internacionais, reputadas e conceituadas empresas que vivem na bolsa portuguesa, são vários os processos instaurados pelas mentiras, omissões e maus timings na informação fornecida ao regulador da bolsa, a CMVM (Comissão de Mercado de Valores Mobiliários). Há quem esconda o despedimento de um treinador, outros as negociações em curso para aquisições, e ainda há quem oculte perdas de 600 milhões de euros. Do plano mais simples ao esquema mais elaborado, de tudo um pouco se tem vivido na bolsa nos últimos anos.

Talvez pouco experiente nestas andanças da bolsa, o futebol é useiro e vezeiro em coimas. Veja-se o Benfica. A contratação do extremo brasileiro Ramires é um exemplo de uma "mentira" que acaba numa multa. A 21 de Maio, pelas 21h18, o Benfica informa o mercado que não há quaisquer negociações com o Cruzeiro. Azar dos azares, ao mesmo tempo o site oficial do clube brasileiro dá conta do negócio. Resultado: uma coima de 40 mil euros, valor suficiente para pagar um mês de ordenado a Quim ou a Moreira. Mas os encarnados tiveram sorte. Este tipo de "não verdades", nas expressões da CMVM, podia levar a uma multa até 2,5 milhões de euros.

Sorte ou talvez não. Será que a infracção do Benfica é mais grave do que uma que influencia a cotação de uma acção? Pais do Amaral, empresário, piloto e editor de livros, disse em Fevereiro de 2006 numa entrevista à "Sábado" e em plena loucura da OPA da Sonae à PT, que tinha sido contactado por fundos internacionais para lançar uma oferta concorrente sobre a operadora de telecomunicações. As acções da PT dispararam e valorizaram 150 milhões de euros nesse dia, para o agrado de alguns e para desgosto de outros. Para a CMVM, nem uma coisa nem outra, apenas viu na tal entrevista uma "violação do dever de segredo na prestação de informação". Multa: 75 mil euros depois reduzida a 25 mil euros. Inferior, portanto, à coima aplicada ao Benfica.

Os valores nesta ordem de grandeza são aliás o resultado mais comum das coimas aplicadas pelo regulador. Alguns exemplos de outros casos onde a informação não fluiu como devia: a Galp não comunicou a tempo que estava em negociações com venezuelanos? 75 mil euros! Soares Franco prometeu que o Sporting ia fazer um aumento de capital e nunca mais fez? 60 mil euros! O BES não disse que tinha ligações a uma empresa em que recomendava investir? 75 mil euros! Há quinze dias foi conhecida mais uma. Agora à Sumol, por causa da compra da Nutricafés e da Compal. O negócio foi fechado às 12h, saiu uma notícia sobre o mesmo às 19h02 e a empresa só o assumiu com um atraso de mais de nove horas - e incorrectamente. Só no dia seguinte, já depois das 10h20, é que a Sumol referiu que o negócio tinha custado 426 milhões. Multa? 75 mil euros.

Mas não serão estas multas demasiado reduzidas para quem omite, atrasa ou não fornece informações ao mercado bolsista? Aparentemente sim, daí a revisão já em Junho deste ano do regime sancionatório ao sector financeiro. A coima máxima para as "infracções especialmente graves" saltou para cinco milhões de euros, para empresas, e dois milhões para particulares.

Recorrer ou não recorrer. São vários os casos em que as decisões da CMVM terminam nos tribunais, como Pais do Amaral, por exemplo, agora alvo de segundo recurso na Relação de Lisboa. Também a mais emblemática coima aplicada pela CMVM teve o mesmo destino. O BCP viu-lhe aplicada a multa mais elevada de sempre - cinco milhões - e as acusações são mais do que muitas. Operações para induzir em erro investidores, off-shores para comprar acções do banco sem declarar, não reflectiu a verdadeira situação das contas, omitiu perdas, empolou lucros. "Provocando uma significativa e reiterada distorção da informação prestada aos investidores e na qual estes basearam as suas decisões de investimento na acção BCP". Traduzindo: se comprou acções deste banco entre 1999 e 2006, o mais provável é ter levado gato por lebre, isto numa interpretação livre da decisão da CMVM. A coima foi impugnada pelo banco no final de Julho. As "não verdades" do BCP deram azo ao processo aberto pelo Ministério Público contra os antigos administradores deste banco. Acusação: provocaram um prejuízo de 600 milhões e ficaram com 24 milhões que não era devido. Falta ainda conhecer os resultados da investigação ao BPP.

Note-se ainda a propósito dos recursos que o registo da CMVM assusta. Entre 1991 e 2008, o regulador ganhou 89,4% dos casos que chegaram aos tribunais. Talvez por isso o regulador das bolsas alicie os infractores a não recorrer. Na maioria dos casos se as empresas multadas não recorrerem têm direito a um desconto de 50% na coima. Mas nem isso, nem a alta taxa de sucesso da CMVM nos tribunais demove as empresas de recorrer. Talvez seja questão de teimosia. Excepção feita ao Benfica. Não recorreu. Talvez já tenha aprendido a lição.

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